Expectativa vs. Realidade: o turismólogo escolhe a profissão duas vezes
A turismologia é um campo de estudo envolto por estereótipos que geram noções pré-concebidas sobre o mercado de trabalho e expectativas irreais sobre o que um turismólogo verdadeiramente faz. Este efeito dominó acarreta em muitos optando pela graduação sem saber muito bem o que é, como é e porque é.
Primeira escolha: quando pensamos conhecer
Quando decidi pela carreira, não conhecia um único turismólogo e o que havia sobre a área na internet era irrisório, então assim como muitos colegas que ingressaram no curso na mesma época, escolhi a profissão porque a enxergava através de uma lente fosca e o processo de conversão do sonho em realidade se deu em três etapas:
Não era amor, era... Fábula
Ao começar a estudar, logo descobrimos que alguns dos fatores positivos que nos atraíram para o curso eram obras fictícias.
“Deve viver viajando”
O turismólogo não é quem peregrina por paisagens paradisíacas e coleciona carimbos no passaporte - este é o turista. Nós prestamos serviço, interagimos e atendemos ao turista, e algumas posições até envolvem viajar para a participação em feiras e congressos, por exemplo, mas viajar à trabalho é diferente de viajar à lazer. Só somos turistas em nosso tempo livre.
“Deve ser super divertido”
Quando temos prazer em nosso ofício, a atividade gera um sentimento de satisfação e completude, mas trabalhar com expectativas de pessoas é desafiador e exige um grande exercício de resiliência. Se você ama pode ser divertido, mas não pense que isto é tudo.
“Deve ser moleza”
A noção de que trabalhamos pouco ou que nosso trabalho envolve somente flores e nenhum espinho é risível quando geralmente a atividade reivindica até nosso tempo aos fins de semana e feriados enquanto outros descansam. O fato de trabalharmos com lazer não implica que o pratiquemos no trabalho, e sim que damos duro para garantir que a experiência de lazer de nosso cliente seja impecável.
Vai um chá de realidade?
Após reconhecer estes fatores como lendas, é hora de descobrir quais são os elementos reais que compõem a área que escolhemos.
Turismo é sério
O turismo não é reconhecido nem por sua eficiência enquanto atividade econômica nem por sua relevância enquanto fenômeno social, além de não ser validado como área de estudo; contudo, ele é composto por aspectos complexos que envolvem os âmbitos culturais, ambientais, sociais, políticos e econômicos de uma localidade.
Não basta se apoiar no nível de atratividade de um lugar para que a atividade turística ali se estruture, é preciso se educar sobre ele e geri-lo para que assim ele dê frutos.
Tem que estudar
Um grande mito sobre a faculdade é que os estudantes não precisam se esforçar ou que sequer há assuntos para tratar sobre o tema, mas você vai precisar se dedicar sim, como faria em qualquer outro curso de graduação.
A grade curricular é parecida com vários outros cursos de ciências sociais, logo irá estudar disciplinas como antropologia, sociologia, filosofia, ética, economia, estatística, administração, marketing, empreendedorismo e legislação além das disciplinas específicas.
(Des)encantado!
Ainda que a palavra encanto seja vista como positiva, ela deriva do que é ilusório e não é à toa que pode ser sinônimo de feitiço ou magia. Quando o encanto se desfaz é que descobre se irá se apaixonar pela verdadeira face do turismo.
Turismo vs. Turismologia
O turismo se refere à atividade econômica e/ou fenômeno social enquanto a turismologia se refere ao campo de estudo; geralmente buscam pelos benefícios do turismo, mas não investem na turismologia. Nossa qualificação é desvalorizada, por isso competimos com pessoas de outras áreas por cargos dentro do trade turístico.
Os resultados promovidos pela pesquisa são subestimados e assim vemos o Brasil, com um potencial turístico esmagador, desconsiderando o planejamento urbano e políticas públicas e comprometendo o sucesso da atividade turística. É um mau direcionamento de possibilidades.
Faculdade vs. Mercado de trabalho
Um grande problema com o ensino acadêmico é que por vezes a própria universidade peca aos nos preparar para a realidade do mercado, focando em temas de planejamento estratégico e gestão sem levar em conta que a maior parte dos cargos disponíveis é operacional.
Em virtude à isso, iniciamos a procura por estágio/emprego com a expectativa de que trabalharemos na organização da atividade turística e nos deparamos com vagas em agências, hoteis e restaurantes. No geral, cargos de gestão são ocupados por profissionais de outras áreas, principalmente em órgãos públicos, e ascender até estas posições pode ser difícil.
Uma reclamação recorrente é também a respeito da baixa remuneração, que não se equipara com o investimento adicional que os profissionais empregam em cursos de idiomas, especialização e pós graduação nem com o próprio diploma de ensino superior.
Segunda escolha: após conhecer, decidimos ficar
E ao pensar que com todos estes desafios que encontramos no caminho, o turismo consegue nos fisgar e quando percebemos, já é amor.
Pluralidade
É um campo extremamente plural e dinâmico que permite a atuação em diversos setores e possibilita o desenvolvimento de diferentes habilidades e know hows; entramos em contato com pessoas advindas de realidades distintas e temos a vivência de experiências únicas.
Agente de transformação
A viagem promove uma rica troca de informação como nenhuma outra coisa e o fato de conectar pessoas com bagagens culturais tão diferentes impulsiona o exercício da empatia e da ampliação da visão de mundo, além de incentivar que saiamos de nossas zonas de conforto e cresçamos enquanto seres humanos.
Máquina de sonhos
Trabalhar com turismo é lidar o tempo todo com os distintos significados de viagem para cada um e o que ela representa para a coletividade; temos o privilégio de testemunhar os sonhos das pessoas e a responsabilidade de realizá-los.
Ser turismólogo é uma escolha que fazemos todos os dias, porque é nossa forma de honrar o fenômeno por todas as suas fascinantes singularidades.
No fim, decidimos ficar porque acreditamos no que o turismo é como um todo e no que é para cada indivíduo. É uma questão de gosto sim, mas principalmente de identidade, porque quando aquilo fala com você, é a única coisa que escuta.
Por: Gabriela Araujo - turismóloga - gabsaraujo.com
0 comentários:
Postar um comentário