sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Etnoturismo é alternativa sustentável de renda para comunidades indígenas do Rio Negro



A convivência com diferentes modos de existir costuma ser uma experiência transformadora. Para muitos, viajar não é só uma questão de escolha, mas uma verdadeira necessidade de alimentar a alma. Brasileiros e estrangeiros têm descoberto no turismo em terras indígenas vivências inesquecíveis, tão plurais quanto as especificidades desses povos ancestrais, que têm muito a dizer e a mostrar a quem se dispõe a ouvir e a observar.

Mais do que a possibilidade de visitar belezas naturais intocadas, o turista em uma terra indígena tem a oportunidade de entrar em contato com línguas, narrativas, conhecimentos e comidas antes restritas a populações originárias e a uma pequena parcela de não indígenas. Esse intercâmbio gera ainda outros desdobramentos, como afirma o Coordenador-Geral de Etnodesenvolvimento da Funai, Juan Scalia. "O turismo de base comunitária em terras indígenas fortalece a autonomia dos povos, propiciando uma alternativa de geração de renda com mínimos impactos ambientais e com uma distribuição mais justa dos lucros da atividade. Valorizar os diversos atrativos ecológicos e culturais, por outro lado, também contribui para a proteção dos territórios e fortalecimento das tradições", afirmou.

Serras Guerreiras do Tapuruquara, no Amazonas, notabiliza-se por sua vocação turística. Foto: Marcelo Monzillo/ISA

A riqueza e variedade de experiências oferecidas pelos povos indígenas é tão imensurável quanto suas idiossincrasias, comparando-se apenas à capilaridade de sua presença no território brasileiro. Uma iniciativa de turismo na Amazônia, no entanto, tem chamado atenção ao refletir essa diversidade: Serras Guerreiras de Tapuruquara. Com a presença de oito povos na região - Baniwa, Baré, Desana, Dow, Kauyawí, Piratapuya, Tariana, Tukano -, esse caráter já seria contemplado por si só, mas não é o caso. 

A grandiosidade das sete Serras Guerreiras de Tapuruquara, localizadas no município de Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, pode ser testemunhada a quilômetros, mas não se restringe a sua opulência visual. Segundo narrativas das populações locais, as serras seriam guerreiros estrangeiros que, muitos anos atrás, viriam guerrear contra povos locais, mas que viraram amontados colossais de pedra e ali estão até hoje. É nesse território sagrado para a cultura indígena, nas TIs Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II, que a imersão acontece.

Roteiro Iwitera é alternativa para quem busca aventura em terras amazônicas. Foto: Marcelo Monzillo/ISA

A viagem pode ser realizada por meio de dois itinerários: Iwitera (serra) e Maniaka (mandioca). O primeiro roteiro tem perfil de aventura, enquanto o segundo se caracteriza por ser mais cultural. Ambos, todavia, oferecem experiências das duas naturezas. No Iwitera destacam-se as caminhadas, escaladas, canoadas e um pernoite na mata. No Maniaka, por sua vez, caracteriza-se por enfatizar práticas culturais, oficinas, artesanato, festas tradicionais e culinária. Outro aspecto que diferencia os dois trajetos é o acesso. Enquanto no Iwitera a ida se dá de barco - de Manaus para Santa Isabel do Rio Negro - e a volta de voo fretado, no Maniaka a dinâmica é inversa. Em 2019 serão testados itinerários independentes, com ida de barco e volta em voo regional. Cada roteiro dura até 10 dias.

O processo que deu origem à iniciativa foi árduo e envolveu amplo esforço comunitário. Cleocimara Reis Gomes, do Povo Piratapuya, em 2014, era presidente da Associação das Comunidades Indígenas e Ribeirinhas – ACIR e esteve à frente desse processo. "A gente queria trabalhar com turismo, porque havia muitos invasores que praticavam pesca predatória em nossa área. Por aqui, transita todo tipo de transporte fluvial e, com isso, muitos invasores. Então nos juntamos com instituições parceiras para pensar o que poderia ser feito para controlar. Fomos de comunidade em comunidade perguntando como estava a situação. Articulamos uma assembleia que reuniu 150 pessoas de todas comunidades. Surgiram algumas propostas de desenvolvimento, e o turismo foi a alternativa escolhida pela maioria", relembra Cleocimara, enaltecendo o caráter comunitário que reflete na divisão e alocação dos recursos, que se dão através de um modelo de planilha aberta.

Culinária dos povos do Rio Negro é atrativo no roteiro Maniaka. Foto: Marcelo Monzillo/ISA

Nos dois primeiros anos de execução, 2017 e 2018, a iniciativa contou com a pré-inscrição de quase 300 pessoas - provenientes de 19 estados brasileiros e cinco países estrangeiros - e realizou oito expedições, com 67 turistas ao todo. Quinhentos indígenas de oito povos foram impactados, gerando uma arrecadação considerável para as comunidades. Desse montante, boa parte foi investido em melhorias de infraestrutura nas próprias aldeias. Somado a esse valor, diversas famílias conseguiram ampliar suas receitas a partir da comercialização de artesanato e da oferta, para o pacote de turismo, de alimentação tradicional indígena para consumo dos turistas durante a visitação. Cinco expedições já estão agendadas para 2019, entre os dias 13 de setembro e 29 de novembro. Para este ano, o projeto conseguiu lançar as datas com antecedência e algumas das expedições já estão quase completas.

Crescimento do etnoturismo fortalece comunidades de oito povos no Rio Negro. Foto: Marcelo Monzillo/ISA

"As pessoas que vêm não querem ir embora. Numa das nossas expedições, uma pessoa que tinha acabado de fazer um dos roteiros decidiu repentinamente que queria fazer o outro itinerário. Tivemos que organizar tudo de maneira contingencial, inclusive consultando as lideranças das outras comunidades naquele momento. No fim deu tudo certo e a turista pôde seguir viagem e fazer os dois trechos. Outra pessoa decidiu tatuar o remo utilizado pelos indígenas da região. É uma experiência que marca as pessoas mesmo. Há um verdadeiro processo de imersão naquela realidade, outro modo de vida. A própria visão de mundo de alguém que passa por essa experiência é revista", finaliza Paula Arantes, coordenadora do projeto pela Garupa, Organização Social de Interesse Público (OSCIP) que se dedica ao turismo sustentável no país. Além dessa OSCIP, atuam como parceiros da iniciativa o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro - FOIRN e Instituto Socioambiental - ISA.

Interessou? Inscreva-se pelo site do projeto www.serrasdetapuruquara.org


Turismo em terras indígenas é alternativa sustentável, sem abrir mão de imagens que ficam para sempre na memória. Foto: Paula Arantes/Garupa


Por: Vagner Campos
Assessoria de Comunicação/Funai
Fonte: funai.gov.br

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