domingo, 24 de maio de 2020

Trabalho e Lazer: o efeito do cotidiano e do anti-cotidiano nas viagens



O interesse dos homens pelas viagens data a antiguidade, sendo os motivos os mais variados, de acordo com cada momento histórico, sejam eles econômicos, culturais, religiosos, filósofos, esportivos, artísticos e políticos (PAIVA, 1995). Essa aspiração ainda pode ser dada por uma série de fatores: sonho ou desejo de conhecer cenário de fatos históricos, terra dos antepassados, desenvolvimento de pesquisas, contato com outras culturas e paisagens etc.

Somente a partir da Revolução Industrial e das conquistas trabalhistas que a viagem passou a ser considerada por outro ponto de vista. Como a recuperação da força física e psicológica perdida no trabalho maçante, concebida na forma do repouso e do descanso. Essa recuperação hoje em dia vem também sobre a forma do lazer e uma das suas facetas: o ato de viajar.

Observando a etimologia, lazer provém do verbo latino licere que significa permitir. Lazer, portanto, é entendido como o que é permitido ou como a faculdade de usar o tempo livre de acordo com o alvitre de cada um. Não se trata de uma atividade sem sentido, mas de um ócio produtivo (CASTRO, 2002). Tal configuração fora incorporada pela sociedade moderna e transformara-se em uma das principais características da contemporaneidade. Nessa pesquisa adota-se a seguinte definição de lazer: 

Um conjunto de ocupações as quais o individuo pode entregar-se de livre vontade, seja para recrear, seja para repousar, seja para divertirse, e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informação ou
formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (DUMAZEIDIER, 1976, p. 34)

Marx afirmava que o trabalho é a necessidade primeira do homem e Paiva (1995) complementa refletindo que, dessa forma, o lazer seria o espaço de recuperação da força de trabalho, podendo ser o espaço de realização do homem. E, para além disso, o lazer é também um espaço para consumo e para relações sociais. Um espaço para conhecer e fruir os lugares e as pessoas.

Se conhecer está entre as necessidades básicas imediatas em todas as épocas e em todos os povos, nos dias de hoje, essa forma de conhecer está sempre ligado às viagens executadas em nosso tempo livre.  O momento onde podemos nos recuperar da rotina cotidiana. Momento conquistado pela grande massa graças ao desenvolvimento da nossa sociedade industrial. “Repouso e férias tornam-se sinônimos de turismo. A necessidade de relaxamento é reconhecida e é orientada para o turismo e transformada em viagem” (KRIPPENDORF, 2001, p.38).

O lazer passou a reproduzir os anseios de uma sociedade orientada para a produtividade, com atividades dirigidas aos ganhos da classe trabalhadora, não somente quanto ao salário, mas a outros direitos adquiridos tais como, jornada de trabalho reduzida, férias remuneradas, incentivos profissionais etc. (PAIVA, 1995, p. 12).

O equilíbrio entre trabalho e lazer passou a ser buscado em toda e qualquer atividade humana, entre vigília e sono, entre profissão e família, liberdade e obrigações, risco e segurança, trabalho e descanso, procurando sempre a harmonia no tempo de viver. O homem encontra-se, assim, submetido ao tempo, assim como em todas as atividades que exercemos.

Nenhuma parcela da nossa existência escapa a cronometragem reguladora e severa que lhe impõe o trabalho. Está estabelecida a hora em que ele deve começar, quando pode ser interrompido e, a seguir, suspenso. Dia após dia, semana após semana. A mesma coisa o mesmo horário para todos. A cada um sua quota de trabalho, padronizado e planificado. Sem liberdade de decisão. São as máquinas e não mais o ritmo biológico e da natureza que determinam a medida do tempo (KRIPPENDORF, 2001, p. 106).
O trabalho já foi visto sob variadas formas. Para Vico é a realização da cultura, da história e da moral. Para Hegel constituiu um instrumento para o homem encontrar a si próprio. Inicialmente o trabalho era visto como um castigo divino posteriormente, considerando a redenção, os teólogos atribuíram-lhe novo sentido e valor, o homem passou a ser considerado participe da construção do mundo, completando, de certo modo, a obra de Deus (CASTRO, 2002).

O lazer pode ser visto como o momento para reconstruir as forças físicas e mentais do ser humano, dando ele tempo livre na forma de descanso para combater o trabalho. Uma tentativa de trazer ao homem o equilíbrio, a harmonia. Curar e sustentar o corpo e a alma, proporcionar um sentido a sua vida.
Nota-se, porém, que a relação entre trabalho e descanso é inadequada. Pois não é possível compensar as carências sentidas na vida cotidiana em alguns breves momentos de liberdade.

Com o passar do tempo surge à vontade de sonhar o dia todo com o anoitecer, a semana toda com a sexta-feira, o ano todo com as férias, com uma vida que não seja apenas uma metade de vida. (P. E. STOSSL, 1973 Apud KRIPPENDORF, 2001, p. 9).

Nota-se que esses poucos momentos tentam ser compensados na forma de quantidade, fato este que se percebe em visitações turísticas. Na contemporaneidade, os turistas (homens em momento de lazer) buscam sempre mais abrigar o maior número de lugares em um menor tempo possível. Isso pode ser considerado um reflexo de um desequilíbrio entre o trabalho e lazer, transformando o tempo livre em atividade compulsiva.

O homem para fugir de si próprio entrega-se a atividades absorventes. Insatisfeito em casa, mergulha integralmente no trabalho, o que faz com que seja visto como dedicado e citado como modelo de produtividade. Dedica-se a política, as associações. Oprimido na cidade grande aproveita o tempo livre para viajar como atividade compulsiva (CASTRO, 2002, p. 152).

Por conta desse desequilíbrio verifica-se que muitos turistas ficam presos a agência de turismo e ao guia, fechados em um “pacote”. Os turistas estão desse modo, a mercê de uma nova rotina em seu tempo de descanso, uma rotina de visitações e informações, tão dinâmica, tão veloz quanto a nossa sociedade atual em seu cotidiano de trabalho. E o tempo de lazer que seria o tempo de liberdade passa a ser regrado e cronometrado como todas as outras tarefas e obrigações do dia a dia. Esse não seria um paradoxo? O anti-cotidiano de uma viagem a lazer se prolongando no cotidiano do trabalho.

Além das motivações, a sociedade forneceu simultaneamente aos seus membros os meios de realizar tão evasão: dinheiro, sob a forma de salários mais elevados e tempo, graças a horários de trabalho cada vez mais reduzidos. Mas, antes de tudo, a indústria desenvolveu, em nosso beneficio, veículos que verdadeiramente colocaram em marcha a sociedade. Automóvel. O carro e, em menor escala, o avião, introduziram a revolução do lazer móvel e transformaram-no no curso de pouco mais de dois decênios e a uma velocidade espantosa, naquilo que é hoje (KRIPPENDORF, 2001, p.15).

A sociedade vive em um ciclo vicioso que gira em torno do trabalho, do consumo, das obrigações, das responsabilidades, da família, da busca por felicidade, constantemente alimentada pelo próprio sistema que a move. É nesse ciclo sistêmico, entre trabalho e lazer, que o turismo de massa cria uma falsa ideia de rompimento do sistema, onde se crê que, mesmo por um pequeno momento, é possível fugir de toda rotina. Isso em parte é reflexo da forma como se entende o turismo.

A ideia de que o lazer é uma liberdade total carece de significado. Pois as próprias atividades de lazer compreendem determinado controle, usos, costumes e normas (CASTRO, 2002). O turismo associa-se ao lazer na maioria das vezes na forma de uma viagem que normalmente é vista como uma forma de romper à rotina de nossa vida e o cansaço do nosso cotidiano. Tal ação é compreendida como um tempo de liberdade.

Conquistamos mais tempo livre, é verdade, mas não será porque enquanto nesse tempo, vestimos as vestes de turistas, passando de trabalhadores para consumidores, dando
combustível ao sistema? O tempo livre e as férias tornaram-se, assim, também indústria social
e cultural que mantém o sistema econômico. 

Com as conquistas trabalhistas associadas ao fordismo-kenesianista, o lazer passou a ser considerado como um direito, uma ocasião para descanso e para maior consumo. De um lado, o trabalhador sente-se valorizado e, de outro, incrementa-se a produção estimulada pelo consumo (CASTRO, 2002, p. 102).

Segundo identificado por Krippendorf (2001) é possível analisar isso sobre duas perspectivas. Em um primeiro momento, ainda que tenhamos cada vez mais tempo livre esse é influenciado pelo trabalho, sendo o tempo que resta para além do trabalho. Verifica-se que o turista acostumando com a sua rotina, tende a mecanizá-la e a reproduzí-la no momento de lazer, muitas vezes, os turistas remetem o mesmo, porém, de outra forma e em outro lugar. Ou seja, remetem a rotina de trabalho no momento de descanso. Em um segundo momento, é possível pensar que as pessoas gastam cada vez mais com o lazer, e segundo o autor, esse orçamento cresce numa velocidade superior a de todas as outras despesas de consumo. A viagem acaba sendo um “consumo notável”.

A fuga das grandes cidades e da rotina opressiva, aliada a coerção do marketing – sobretudo veiculado pela mídia – converteu o lazer em artigo de consumo. A realidade social, centrada na economia, criou a mentalidade do lazer (CASTRO, 2002, p. 151).

Salienta-se que, o que de fato acontece, é que continuamos presos nesse ciclo, consumindo o produto intangível que é o turismo. Talvez, por isso, surge à necessidade da compra de souvenires e fotos, a fim de materializar uma sensação instantânea e fugaz, uma forma de compensar o mau proveito da viagem imaterial e a ausência de fruição com o lugar. Os turistas, em geral, tendem a reproduzir sua tradicional rotina diária, no seu breve momento de visitação, colocando tempo e obrigações em seu precioso tempo livre, não conseguindo, desse modo, o tão importante descanso, nem a tão procurada felicidade.

Devemos pensar que a atividade turística também segue a lógica do mercado e muitos dos seus efeitos representam o processo de industrialização global. Os aspectos negativos relatados por esses autores não são efeitos somente da atividade turística propriamente dita, mas, sim, resultados do consumo exacerbado de nossa sociedade. Ocorre que no turismo tal consumo é de ordem imaterial em seu início, mas, torna-se material ao suscitar a necessidade da compra material nos locais visitados.

Dentre essas práticas, encontram-se as viagens como forma de materializar os desejos de férias ou finais de semana de muitas pessoas. Esse desejo é fruto de um cotidiano que leva uma fatia da população a buscar uma fuga da rotina do trabalho por meio do turismo e sua promessa de felicidade. Por esse lado, o problema das viagens seria também a forma como as pessoas levam o seu cotidiano, o qual resulta em um comportamento equivocado ou não proveitoso nos atrativos culturais visitados. Como estabelecer uma outra lógica a essa prática?

A relação entre o turista e a comunidade em seu processo de fruição pode auxiliar nesse tipo
de desenvolvimento social.

Por: (pesquisa) Luiz Antonio da Silva Alfenas / Leandro Benedini Brusadin
“O comportamento social do turista regulado pelo tempo do trabalho e do lazer: consumo de lugares x fruição da cultura”,


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