O turismo étnico é desenvolvido a partir do enaltecimento da cultura de povos que foram subtraídos ao longo do processo histórico. Africanos, indígenas, polinésios, esquimós, estão quase sempre no foco do turismo étnico, viabilizando meios de inserir essas comunidades dentro da economia global pelo resgate das tradições culturais.
O mesmo trabalha em prol de comunidades germânicas, árabes, italianas, russas, japonesas dentre outras, que se deslocaram para países e regiões não originais dessas etnias.
O turismo étnico ou o turismo baseado no legado étnico vem se afirmando como uma alternativa frente ao turismo massificado no qual predomina o consumo desenfreado das culturas locais. Sob o paradigma da diversidade cultural e da plurietnicidade, os turistas culturais apresentam-se como grupos de consumidores interessados na vivência cultural no âmbito de comunidades remanescentes de etnias específicas, ou naquelas em que predomina a representação do legado cultural herdado ao longo de processos históricos e sociais e reinterpretado no presente sob novas significações.
De acordo com a Organização Mundial de Turismo – OMT (2003, p. 168), o turismo étnico “é voltado para as tradições e estilo de vida de um grupo e utilizado, principalmente, para destacar o turismo nas comunidades ou enclaves específicos, em processo de desenvolvimento”. Considera-se que a vivência dos turistas com os elementos do patrimônio cultural pode contribuir para o fortalecimento das identidades e para a revalorização da memória e da cultura locais.
Em terras brasileiras, as etnias que aqui aportaram em diferentes períodos históricos e regimes econômicos, deixaram para o país, uma diversidade cultural acarretando um hibridismo cultural-religioso único.
De acordo com Silva e Carvalho (2010, p. 208) A identidade étnica de um grupo é o alicerce para sua forma de organização, para sua relação com os demais grupos e de seu agir político. A atitude pela qual os grupos sociais definem o próprio pertencimento é resultado de uma confluência de fatores determinados por eles mesmos, no qual constam itens como uma ancestralidade comum, formas de organização política e social, elementos linguísticos e religiosos.
O turismo étnico pode ser encarado como uma segmentação do turismo cultural com definição que relaciona as idéias de etnicidade (autóctone ou transplantada) como motivadora da visita
O patrimônio cultural apreendido como testemunho das diversas vivências dos grupos sociais apresenta-se sob vários matizes, considerando os aspectos tangíveis e espirituais que produzem sentido e significado ao legado cultural transmitido de geração a geração. Nele estão inseridos todos os saberes e fazeres populares, as festas e celebrações, a gastronomia, o artesanato, o patrimônio histórico-arquitetônico, a religiosidade, ou seja, toda produção material e simbólica dos grupos sociais enquanto partícipes de um integrado e complexo sistema de representação simbólica.
Por meio dele, os indivíduos estabelecem trocas culturais, manifestando seus vínculos identitários. Ao receber visitantes interessados na sua cultura, os anfitriões podem se sentir mais motivados pra enxergar o valor das tradições locais, que muitas vezes são desvalorizadas pelo nosso sistema socioeconômico. isso pode ajudar a fazer com que as novas gerações mantenham vivas as memórias e costumes daquele povo.
O turista que procura esse tipo de viagem tem a oportunidade de entrar em contato com visões de mundo além da cultura dominante. Em ênfase isso pode ser feito através da conexão direta com pessoas de uma comunidade, conhecendo sua história em primeira mão, participando de atividades do seu dia a dia, vivenciando suas manifestações populares e muito mais. O turismo (…) pode revitalizar o orgulho étnico dos seus membros, especialmente dos jovens, frequentemente discriminados pelas sociedades regionais
As comunidades étnicas no Brasil passam por sérias dificuldades de subsistência. Nesse contexto, o turismo pode ser também um ótimo recurso pra o desenvolvimento socioeconômico local. Em muitas comunidades, a renda obtida através do turismo permite que os moradores possam continuar vivendo no seu lugar de origem e mantendo seus hábitos culturais, em vez de ter que buscar emprego fora dali.
O segmento do turismo étnico baseia-se nas novas necessidades de consumo de experiências identificadas e percebidas como autênticas tanto por parte da demanda turística, quanto por parte das comunidades receptoras. Para Beni (2002, p. 145) no turismo étnico os grupos se deslocam na busca:
[...] de suas origens étnicas locais e regionais, e também no legado históricocultural de sua ascendência comum. Incluem-se aí ainda aqueles que se deslocam com objetivos eminentemente antropológicos para conhecer “in loco” as características étnico-culturais daqueles povos que constituem o interesse de sua observação (Grifo do autor).
Nesse sentido, ao revigorar o patrimônio cultural relacionando-o ao presente, o turismo cultural oportuniza à comunidade um importante aprendizado sobre a sua própria trajetória cultural, destacando as características históricas e culturais dos territórios étnicos, ressaltando assim, a importância dos referenciais culturais para o revigoramento ou fortalecimento das identidades.
Assim, emergem formas ainda incipientes de turismo com base no legado étnico, que apesar de não gerarem recursos suficientes para satisfazer as necessidades da comunidade, começam a despertar o interesse dos comunitários. O turismo baseado no legado étnico tem ensejado se revelar uma estratégia eficaz de desenvolvimento sociocultural e ambiental.
A construção da sustentabilidade no turismo é conseqüência da responsabilidade de todos os envolvidos, um processo complexo que exige adaptações, mudanças, propõe agendas e modelos para políticas públicas e, principalmente, compromisso com seus princípios. Para alguns é ainda somente uma utopia, mas para muitos tem se tornado cada vez mais uma realidade, sobretudo para aquelas pessoas, grupos sociais e principalmente comunidades onde os princípios encontram reflexos nas representações e reproduções das relações sociais e estão transformando as realidades locais.
É importante assinalar que o turismo étnico não é a salvação de um
conjunto de problemas que agrava as áreas de proteção ambiental. Porém, serve de ferramenta para uma maior integração entre as comunidades e as instituições públicas responsáveis pelas questões ambientais, possibilitando uma educação voltada para o ambiente natural e cultural, com objetivo de:
• sensibilizar os visitantes;
• estimular um compromisso maior da comunidade com a área em que vive, em função do fluxo considerável de pessoas nos espaços naturais abertos para a recreação e o lazer;
• viabilizar a entrada de divisas econômicas que permitam a manutenção das áreas protegidas;
• propiciar bem-estar para os moradores locais
O decreto governamental número 6.040 de 07/02/2007 que institui a Política Nacional de Sustentabilidade dos Povos e Comunidades tradicionais – PNPCT (BRASIL, 2007) conceitua comunidades tradicionais como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição.
Onde fazer turismo étnico no Brasil
É possível praticar turismo étnico de maneira informal, procurando comunidades específicas ou contratando guias que trabalhem com isso. Mas também existem Brasil afora muitas iniciativas organizadas que facilitam o acesso de viajantes a essas experiências.
O Quilombo do Campinho da Independência é o primeiro quilombo reconhecido do estado do Rio de Janeiro e guarda histórias do fim do século XIX. O roteiro etno-ecológico traz uma experiência diferenciada para quem passa pela cidade colonial de Paraty. A comunidade recebe os visitantes com contação de histórias com os mestres Griôs, visita aos núcleos familiares, à casa de farinha, ao viveiro agroflorestal e à casa de artesanato. O restaurante comunitário serve comida típica quilombola com produtos orgânicos. Inserido na Área de Proteção Ambiental Cairuçu, a visita ao quilombo também traz uma oportunidade de contato direto com as belezas da Mata Atlântica.
Cerca de 40 famílias vivem nesse quilombo com mais de 200 anos, situado em uma área preservada de Mata Atlântica no litoral de São Paulo. Ali, elas descobriram que desenvolver o turismo de base comunitária é uma forma de preservar sua cultura e suas terras e também de unir os moradores. Além da culinária típica, as atividades no Quilombo da Fazenda estão divididas em quatro roteiros principais: a Trilha do Jatobá, a Casa de Farinha, a Oficina de Artesanato e a de Agrofloresta. Em todas as vivências, os próprios comunitários guiam e compartilham suas sabedorias e tradições com os visitantes.
O povoado quilombola Mumbuca está localizado no município de Mateiros, no Tocantins. O incrível trabalho de artesanato feito com o Capim Dourado, conhecido como o “ouro do Jalapão” e aprendido com os índios Xerente, trouxe emprego, renda e visibilidade para a comunidade, que hoje trabalha também com o turismo. Por estar localizado perto dos principais atrativos do Jalapão, o Mumbuca recebe muitos visitantes que vêm para o almoço e uma passada na loja de artesanato.
Com mais de 20 comunidades, o povo Kalunga é o maior grupo de remanescentes quilombolas no Brasil. Eles vivem em uma área de mais de 230 mil hectares protegidos de cerrado em Goiás, dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Morando há 300 anos na região, os Kalunga conhecem como ninguém a Chapada. Muitos se tornam guias. Diversos atrativos, como a famosa cachoeira Santa Bárbara, estão localizados dentro de suas terras. Em algumas comunidades, o turismo acontece com hospedagem e alimentação no próprio quilombo, trilhas, cachoeiras e convivência com os moradores locais.
A Rota dos Quilombos envolve 12 comunidades quilombolas que estão nos municípios de Berilo, Chapada do Norte e Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha. Ela sugere 10 roteiros diferentes de turismo de base comunitária, mas também realiza vivências e experiências personalizadas. Em parceria, estas comunidades têm preservado suas tradições e descoberto no turismo uma alternativa de emprego e renda.
Ao contrário dos outros quilombos, onde ainda residem moradores, o famoso Quilombo dos Palmares, maior símbolo da resistência negra no Brasil, hoje é somente um Parque Memorial. Mas o peso de sua importância na luta do povo negro no país faz dele um lugar necessário de visitação. Foi o maior e mais duradouro quilombo das Américas e lugar onde viveu Zumbi dos Palmares. Reconstituições das antigas construções e áudios procuram recontar a história da época em que mais de 20 mil negros resistiram às tentativas de invasões e dominações de holandeses e portugueses.
O Projeto Rota do Quilombo Mocambo – Turismo Rural Comunitário propõe a inclusão social da comunidade por meio do turismo sustentável. Por lá é possível hospedar-se na casa dos moradores, saborear a incrível culinária sertaneja e ainda aproveitar os banhos no Rio São Francisco. A vivência inclui passeios em meio aos jardins naturais da caatinga, samba de coco e contação de histórias pelos moradores. O quilombo também oferece traslado.
O Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo e norte do Paraná, é uma das regiões que mais concentra comunidades quilombolas no Brasil. Lá está o Circuito Quilombola do Vale do Ribeira, um roteiro turístico que envolve 7 territórios quilombolas, que reúnem o que há de mais incrível da cultura afrodescendente do sudeste brasileiro. São diversos quilombos para conhecer e cada um tem suas características especiais. O artesanato com palha de banana e a apicultura estão entre as atividades locais e festas religiosas e tradicionais também estão na programação. No quilombo Mandira, onde vivem 25 famílias, a impossibilidade de cultivar a terra trouxe o manejo da ostra como atividade principal.
A Bahia, estado com grande potencial para o turismo étnico, com territórios quilombolas espalhados em diversas regiões, também tem se configurado para atender ao público desta modalidade turística.
Composto por cinco comunidades, o Território Quilombola Caônge, Dendê, Engenho da Praia, Engenho da Ponte e Calembá, localizado em no município de Cachoeira, foi reconhecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do Estado, em 2018. Na área de 973 hectares vivem 83 famílias remanescentes de quilombos.
Referências bibliográfi
BENI, M. C. Análise estrutural do turismo. São Paulo: SENAC, 2002.
BRASIL. Decreto nº 6.040 de 07/02/2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades tradicionais – PNPCT. Disponível em: <htpp: //www.planalo.gov.br/ccivil_03/Ato2007-2010/2007/Decreto/ D6040.htm>. Acesso em: 08/05/2010.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO (OMT). Turismo internacional: uma perspectiva global. 2.ed. (trad. Roberto Costa). Porto Alegre: Bookman, 2003.
SILVA, Rosijane E. da; CARVALHO, Karoliny. D. Turismo étnico em comunidades quilombolas: perspectiva para o etnodesenvolvimento em Filipa (Maranhão, Brasil). Turismo & Sociedade, Curitiba, v. 3, n. 2, 2010, p. 203-219.
0 comentários:
Postar um comentário